preguiça

Era um dia em que ele, gordo e grande, acordou mais cedo do que normalmente acordava. Inquieto. Teria um domingo inteiro pela frente... mais que isso: uma semana, várias delas; meses, anos. Muito tempo. Quanta coisa a fazer, muitas decisões para tomar. Quantas vezes ainda não teria que tirar pó da casa, lavar o carro, ir ao médico, ir para o trabalho, ter paciência com a família. Muitas vezes ainda teria que ser amável sem querer ser; tentar ser feliz, não se abalar, não desejar demais... Não era de fugir de problemas. Jamais, em toda a sua vida, havia, por exemplo, se entorpecido. Não bebia. Nem com muita dor tomava analgésicos.

Estava ali então, em sua cama de tamanho especial. A noite de calor havia trazido chuva pela manhã. Um pouco dela entrava agora por sua janela, vigésimo sexto andar. A vontade que tinha era de ter vontade de continuar encarando aquilo tudo, como todo mundo fazia. Talvez esquecida a tarde de domingo, todo o resto haveria se tornado mais fácil... Junto aos pensamentos surgiu um momento de ânimo, para fechar a janela. Levantou-se com dificuldade, o peso atrapalhava. Calçou chinelos trocados, e, passo a passo em direção à janela aquele ânimo crescia. O ânimo crescia a cada passo para uma decisão que gradativamente tornava-se concreta: talvez fugir poderia não ser tão ruim assim... A três passos da janela acelerou; por sorte, e por descaso do ridículo, a janela era imensa e estava escancarada. Passou... Molhava pouco apesar da sua grande área, a chuva caia quase à sua velocidade. Gordo e grande, espatifaria no meio da avenida. Sorriu do começo ao final da queda. Tudo aquilo que teria ainda pela frente resumira-se então a poucos segundos.

4 comentários:

Ston disse...

Bom demais. Jamais pensei que gordos suicidassem.

Henrique disse...

você não sabia que o marcelo é um sobrevivente?

Ston disse...

Cara, só agora estou ligando os gatos, quer dizer, fatos...

Henrique disse...

beijo, liga.